Dois anos da Lei de Transporte Rodoviário de Cargas: Como o setor tem lidado?

Publicado em 05 de September de 2025 por Comunicação CCI

A Lei n.º 14.599/2023 alterou o mecanismo de contratação dos seguros de transporte rodoviário de cargas. Com o seu lançamento, as obrigações dos transportadores, seguradoras e embarcadores foram redesignadas, com o viés de conceder maior proteção aos transportadores, uma vez que com a nova redação legal, a contratação dos seguros mencionados na lei passa a ser, obrigatoriamente, do transportador.  

Tal alteração foi protetiva aos transportadores enquanto os liberou da necessidade de se vincular a diversos Programas de Gerenciamento de Riscos (PGR) de diferentes embarcadores, reduzindo assim os custos operacionais e riscos relacionados ao descumprimento dos PGRs, e consequente direito de regresso pelas seguradoras. Mas como isso afetou o transporte rodoviário?

 

MUDANÇAS NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS

Na época da publicação da nova lei, os embarcadores se preocuparam com a necessidade de que os transportadores continuassem atendendo às especificidades no procedimento de proteção de suas cargas por meio de apólices com a cobertura e PGRs adequados.  

Conforme possibilitado pela própria legislação, os embarcadores passaram a contratar apólices adicionais, arcando com os custos delas decorrentes para proteger a mesma carga já segurada pelos seguros obrigatórios contratados pelo transportador.  

No entanto, ainda havia dúvidas quanto aos novos procedimentos, principalmente com relação à dispensa do direito de regresso e como as coberturas deveriam estar descritas no contrato celebrado entre transportador e embarcador.

Em setembro de 2024, visando regulamentar a nova legislação, foi publicada a Resolução n.º 472 da Susep, que trouxe novas regras que impactam diretamente o setor de transporte rodoviário de cargas no que diz respeito à contratação dos seguros obrigatórios.  

 

RESOLUÇÃO N.º 472 DA SUSEP

A Resolução n.º 472 da Susep não apenas atualizou o marco regulatório, mas também influenciou como os contratos de transporte devem ser redigidos e gerenciados. Isso porque estabelece novos parâmetros para as obrigações, coberturas e limites entre embarcadores, transportadores e seguradoras.

Além de outras regulações importantes, a Resolução esclarece expressamente a posição da Susep quanto à prática da Dispensa do Direito de Regresso (DDR), amplamente adotada nas relações contratuais do setor. A nova redação reconhece, pelo artigo 53, sua validade e eficácia jurídica, mantendo sua aplicação prática.  

No entanto, a autarquia destaca que a existência de cláusula de DDR, por si só, não substitui nem supre a obrigatoriedade legal de contratação dos seguros de responsabilidade civil previstos.  

 

OBRIGATORIEDADE DA DDR

Em outras palavras, o uso da DDR não exime transportadores e embarcadores do cumprimento das exigências normativas quanto à contratação e manutenção das apólices obrigatórias, encerrando eventuais dúvidas interpretativas sobre o tema.

De forma prática, isso quer dizer que a Carta DDR continua existindo, mas apenas com relação aos seguros adicionais, contratados por opção do próprio embarcador para complementar o seguro obrigatório já contratado pelo transportador.  

Isso porque, considerando que a Carta DDR presume uma dispensa do direito de regresso com relação ao transportador, nas hipóteses em que o próprio transportador é o beneficiário da apólice, não há que se falar em regresso contra ele.

Na prática, isso tem gerado a continuidade de contratação dos seguros pelos embarcadores, que arcam com os custos extras da apólice. Além disso, eles precisam, indiretamente, arcarem com os custos de contratação das apólices pelo transportador, repassados e refletidos nos aumentos das tabelas de frete.  

Para os transportadores, que seguem se vinculando às apólices dos embarcadores, continuam a ter de atender a solicitações de PGRs distintos, tendo que cumpri-los para que as seguradoras, de igual forma, não se voltem contra eles, por violação das Cartas DDR, com relação a estas apólices adicionais.

 

PROJETO DE LEI Nº 147/2025 E PERSPECTIVAS

Considerando os reflexos práticos das medidas, tramita, desde 03 de fevereiro de 2025, o Projeto de Lei n.º147/2025, que proíbe empresas seguradoras de entrarem com ação regressiva contra transportadores individuais, nos casos em que eles não sejam diretamente culpados pelo dano à carga.

Em termos práticos, caso ocorra um sinistro envolvendo a carga durante o transporte, a seguradora responsável pela indenização não poderá mover ação contra a transportadora ou o transportador autônomo. No entanto, isso é salvo se ficar comprovado que houve dolo ou culpa grave.

De acordo com o deputado Lucio Mosquini (MDB-RO), autor da proposta, mesmo quando o dono da carga contrata seguro para proteger seus bens, é comum que as seguradoras, após efetuarem o pagamento da indenização, acionem judicialmente os transportadores para reaver os valores pagos. 

Mosquini destaca que a prática acaba por transferir ao transportador a responsabilidade já coberta pelo seguro contratado pelo proprietário da carga. Segundo ele, muitos transportadores têm sido penalizados com custos adicionais e enfrentado desgastes jurídicos recorrentes em razão dessas ações, o que compromete a sustentabilidade do setor e impacta negativamente o transporte rodoviário todo.

Por outro lado, é necessária também a reflexão sobre os possíveis impactos relacionados aos aumentos nos valores dos seguros de transportes aos embarcadores. Caso o projeto seja aprovado, a operação poderia ser impactada já que as seguradoras possivelmente embutiriam no prêmio os custos arcados por elas por não poderem mais regressar contra os transportadores.

Assim, até o momento, pode-se perceber que as mudanças trazidas pela Lei n.º 14.599/2023 e pela Resolução CNSP n.º 472/2024 representam um esforço regulatório para racionalizar a contratação de seguros no transporte rodoviário de cargas e oferecer maior clareza jurídica às partes envolvidas.  

O setor, portanto, segue em fase de transição e adaptação ao novo modelo, com a necessidade de alinhamento contínuo entre embarcadores, transportadores, seguradoras e demais agentes da cadeia logística, bem como de obter suporte jurídico especializado, essencial para interpretar a legislação aplicável e suas alterações, mitigar riscos e garantir a segurança das relações.